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ACESSO RESTRITO – NÍVEL 3

Ilha de São Firmo

Um pedaço esquecido de rocha e neblina ao norte da costa, ausente dos mapas oficiais, mas presente em relatórios velados da Ordo Realitas. O que segue são fragmentos: dossiês, diários, cartas e transcrições que tentam costurar um século de anomalias em um lugar que insiste em não esquecer.

"O mar em volta dela não reflete o céu. Reflete algo mais antigo que o próprio tempo." — Agente "Norte"

Linha do Tempo da Ilha

Século XVIII – Registros Apagados
Pescadores, Fuga e Superstição
Primeiras menções a São Firmo em diários de bordo: refúgio de piratas e foragidos, conhecida entre marinheiros apenas como "A Ilha Sem Sinos", onde o som das igrejas do continente não alcança e nenhum sino consegue permanecer inteiro por muito tempo.
1894 – 1910
Construção do Farol Setentrional
A coroa autoriza a construção do farol para conter naufrágios frequentes na região. Engenheiros relatam "anomalias magnéticas" e bússolas enlouquecidas. A obra atrasa anos devido a acidentes inexplicáveis, mas é oficialmente concluída sem maiores explicações.
1973 – 1985
Primeira Observação da Ordo
A Ordo Realitas marca São Firmo como "ponto de atenção" após uma sequência de desaparecimentos de embarcações em mar calmo. Investigadores locais relatam neblina com propriedades anômalas e padrões de luz que não obedecem a qualquer fonte aparente.
1987 – 1995
Projeto Setentrional
Instala-se secretamente um complexo de pesquisa abaixo do farol. A Ordo usa a ilha como laboratório de contenção e estudo de manifestações ligadas ao Medo e ao Conhecimento. O farol passa a ser utilizado como "agulha" na membrana entre os mundos.
1995
O Apagão e o Silêncio
Uma noite de tempestade encerra oficialmente o Projeto Setentrional. O farol é dado como desativado. Os relatórios são selados. Nos anos seguintes, a ilha desaparece de registros públicos, mas continua aparecendo em relatos de pescadores — agora com um brilho estranho cortando a neblina em noites sem lua.
3 Semanas Atrás
O Sinal Retorna
Estações meteorológicas costeiras registram um pico anômalo de energia na região de São Firmo. O farol, oficialmente desativado, volta a emitir um pulso — não de luz, mas de algo que distorce sinais de rádio e provoca pesadelos em quem mora na costa.

Relatos da Ordo & Documentos Locais

RELATÓRIO TÉCNICO – ORDO REALITAS // 1973

Análise Geológica Preliminar – Ilha de São Firmo

Amostras de rocha coletadas na falésia norte indicam composição basáltica comum, porém com concentração anormal de minerais ferromagnéticos. A intensidade magnética parece oscilar de forma cíclica, sem correlação com variações solares conhecidas.

Instrumentos de medição enlouquecem nas proximidades do farol. Em 3 ocasiões distintas, bússolas marcaram "Norte" apontando diretamente para o centro da ilha, ignorando o polo magnético real. Um dos assistentes relatou forte enxaqueca e náusea ao permanecer mais de 20 minutos próximo às rochas expostas.

Recomendação: restringir acesso à falésia norte a agentes treinados em exposição prolongada ao Outro Lado. A ilha em si parece uma cicatriz geológica, mas o que pulsa por baixo não é apenas pedra.

Ass.: Dr. Raul Menezes – Consultor Geológico
DIÁRIO PESSOAL – JOAQUIM "FAROLETE" // 1989–1990

Trechos Recuperados – Caderno de Capa Azul

"8 de Julho – Hoje o pessoal da 'companhia elétrica' desceu para o subsolo de novo. Nunca vi fio de luz descer tanto assim. O engenheiro de óculos me disse que era só manutenção, mas a luz do farol mudou de cor. Antes era amarela, agora, às vezes, parece quase azul-esverdeada. Os peixes pararam de saltar quando o facho passa."

"23 de Setembro – Não é a maré que dita a neblina aqui. Tem noite que o céu tá limpo, mas uma fumaça branca ronda a ilha, como se brotasse do mar. Quando olho pra ela tempo demais, juro que vejo rostos. O padre diz que é coisa da minha cabeça. A 'companhia elétrica' diz que é refração. Eu digo que eles não sobem sozinhos até o topo à noite."

"12 de Novembro – A luz falhou por 3 segundos. Três segundos exatos. Nesse intervalo, eu juro que não ouvi o mar. Não vento, não gaivota, nada. Silêncio absoluto. Quando a lâmpada religou, tinha água no chão da sala de máquinas, como se alguém tivesse saído do mar caminhando até ali. Minhas pegadas eram as únicas secas."

Caderno apreendido e arquivado – Código: SF-JOQ-01
CARTA NÃO ENVIADA – MORADORA LOCAL // 1995

"Querida irmã, sobre o que aconteceu ontem"

Eu sei que prometi que voltaria para o continente quando a situação aqui começasse a ficar estranha, mas como é que eu descrevo "estranha" pra você sem parecer louca? Não são só as noites insônias, nem as vozes no vento. É a forma como todo mundo aqui finge que está tudo normal.

Ontem, o mar recuou demais. A maré baixa sempre foi generosa, mas desta vez ela recuou tanto que a antiga igreja apareceu inteira, em pé, no meio da lama. Te juro: inteira. Parecia que nunca tinha caído. O padre Orlando mandou todo mundo ficar em casa, disse que era perigoso descer. Mas vi luz de vela lá embaixo, e ouvi canto. Não era em português.

Quando acordei hoje, a água já tinha voltado. A igreja sumiu de novo, só os telhados quebrados aparecendo na superfície. O padre tava na missa com olheiras profundas, dizendo que Deus tinha nos poupado de um castigo maior. Mas eu sei quando alguém tá mentindo. Você sabe que eu sei.

Carta encontrada sem destinatário – Gaveta trancada em São Firmo
ANOTAÇÕES – DRA. LÍVIA RAMOS // 3 ANOS ATRÁS

"Síndrome da Neblina" – Padrões Clínicos

Pacientes relatam sensação recorrente de serem observados quando a neblina cobre a vila. Casos de insônia, perda de apetite e episódios de despersonalização aumentam em até 300% durante semanas de neblina densa, independentemente da temperatura ou umidade.

Em exames físicos, poucos achados concretos: leve taquicardia, pressão arterial elevada, mãos frias. Em exames neurológicos simplificados (testes cognitivos), alguns pacientes demonstram lapsos de memória seletiva: esquecem trajetos percorridos na própria ilha, mas se lembram em detalhes de sonhos recorrentes com o farol e com a falésia norte.

Comecei a chamar informalmente de "Síndrome da Neblina". Oficialmente, escrevo como "Transtornos de Ansiedade Relacionados ao Ambiente". Nunca gostei de mentir em prontuário, mas é isso ou ver a ilha perder o único posto de saúde que tem.

Documento fotografado e transmitido anonimamente para a Ordo
"Na primeira noite em que dormi em São Firmo, sonhei que caminhava pela praia durante a maré baixa. A areia era macia como carne e, quando olhei para trás, minhas pegadas enchiam de água escura. No horizonte, o farol piscava em um ritmo que eu reconhecia de algum lugar — o mesmo ritmo do meu próprio coração." — Agente designado para o Projeto Setentrional, registro onírico nº 01

Trechos de Áudio & Sussurros

TRANSCRIÇÃO PARCIAL – CHAMADA DE EMERGÊNCIA COSTEIRA

Áudio #SF-004 — "Ruído na Frequência"

[00:03] VOZ MASCULINA: "– aqui é a Guarda Costeira, repita a posição da embarcação, recepção ruim…"

[00:07] VOZ FEMININA (DISTANTE): "A ilha… Ela não… não devia estar aqui. O farol tá… apontando pra baixo."

[00:11] RUÍDO ESTÁTICO: (padrão rítmico constante, semelhante a batimentos cardíacos).

[00:14] VOZ MASCULINA: "Moça, não há ilhas mapeadas nessa área, você deve estar desorien–"

[00:16] VOZ FEMININA (AGORA CLARA): "Ele tá olhando pra dentro. Você não entende. O farol tá olhando pra dentro."

[00:19] SINAL: (chamada cai. Tentativas de reconexão sem sucesso.)

ANOTAÇÃO DE CAMPO – AGENTE "NORTE"

Relato Pessoal – Dia 17 do Projeto

A ilha reage à observação. Quanto mais medimos, mais ela distorce. O farol não é uma simples fonte de luz — é um metrônomo entre dois mundos, marcando o compasso de algo que quer atravessar.

As pessoas aqui aprendem a não olhar diretamente para a luz. Dizem que "dá azar". O que dá azar, na verdade, é perceber padrões demais onde antes só havia superstição. Nessa ilha, a superstição é um protocolo de segurança disfarçado de crença.

Começo a esquecer datas, mas lembro com perfeição de cada sonho. Acordo com gosto de sal na boca, mesmo sem ter ido ao mar.

Documento marcado como "Extraviado" no arquivo oficial

Lendas Contadas em São Firmo

"A MARÉ QUE NÃO VOLTA"
Dizem que uma vez por geração, a maré desce tanto que revela um caminho de pedras levando até o meio do mar. Quem anda por ele ouvindo apenas o som das próprias pegadas, volta com os cabelos completamente brancos — se voltar.
"OS SINOS QUE NUNCA TOCAM"
Qualquer sino trazido para a ilha racha na primeira noite de neblina. O padre Orlando diz que é defeito de fundição. As crianças dizem que é a ilha recusando qualquer chamada que não seja a do farol.
"AS LUZES EMBAIXO DA ÁGUA"
Pescadores mais velhos juram que, em noites específicas, o mar em volta da ilha acende por baixo, como se cidades inteiras estivessem acesas no fundo. Ninguém joga rede nessas noites.
"O QUARTO ANDAR DO FAROL"
Oficialmente, o farol tem três níveis de acesso. Extraoficialmente, todos em São Firmo sabem que quem sobe mais um lance de escadas encontra uma porta que não deveria existir. Ela só aparece para quem já sonhou com ela antes.